Crença na Predestinação (Kadá e Kadar, ou takdir):

Na realidade, as palavras Kadá e Kadar, que nós traduzimos por predestinação, não tem correspondente na nossa língua, tendo elas um sentido muito mais amplo. Por isso, tentarei dar uma idéia do seu real significado.

Em primeiro lugar, elas indicam que Deus Todo Poderoso traçou um plano de toda a sua criação nos seus mínimos detalhes. Por isso, devemos acreditar que não existem acidentes na natureza e, sim que, tudo o que ocorre foi decretado por Deus, o Altíssimo. Por exemplo, os aspectos relacionados com os movimentos dos astros e as suas respectivas distâncias, a pressão atmosférica, dentre outros, foram previamente planejados por Deus.

(39:62)- "Deus é o Criador de tudo e é de tudo o Guardião."

(25:2)- "... E criou todas as coisas, e deu-lhes a devida proporção."

Em segundo lugar, que tais conhecimentos estão registrados num Livro guardado.

(22:70)- "Ignoras, acaso, que Deus conhece o que há nos céus e na terra? Em verdade, isto está registrado num Livro, porque é fácil para Deus."

(57:22)- "Não assolará desgraça alguma, quer seja na terra, quer sejam as vossas pessoas, que não esteja registrada no Livro, antes mesmo que a evidenciemos. Sabei que isso é fácil a Deus."

Em terceiro lugar, que Deus sabe de tudo que aconteceu e que irá acontecer com todas as suas criaturas.

Logo, Kadá e Kadar é a crença do muçulmano no pré conhecimento que Deus, o Altíssimo, tem de tudo e no poder de Deus de conceber e cumprir com os Seus planos.

Agora, no que tange aos seres humanos, Deus nos dotou de livre arbítrio, sendo que o mesmo não é total e sim parcial. Existem coisas que foram determinadas por Deus, sem que nós possamos interferir. Como, por exemplo, quando iremos nascer, quem serão os nossos pais, como serão nossas características físicas, quando iremos morrer, como também a nossa incapacidade de controlar os músculos do nosso coração ou do nosso estômago, etc.

(28:68)- "Teu Senhor cria e escolhe, da maneira que melhor Lhe apraz, ao passo que eles não têm faculdade de escolha."

(3:6) - "Ele é Quem vos configura nas entranhas, como Lhe apraz."

Logo, por estes versículos, podemos observar que o menino recém nascido, por exemplo, não tem a faculdade de se transformar em menina, e sim que essa é uma escolha que está somente dentro dos poderes de Deus. Existem outras situações em que nós podemos utilizar o poder de escolha, como o que queremos estudar, se desejamos praticar o bem ou o mal, com quem queremos casar, se queremos abrir ou fechar a mão, se queremos sentar ou levantar e etc.

(91:8-10)- "E lhe imprimiu o discernimento entre o que é certo e o que é errado, Que será venturoso quem purificar (a alma), E desventurado quem a corromper."

(78:39)- "Tal será o dia infalível; quem quiser, pois, poderá encaminhar-se para o seu Senhor!"

(64:10)- "Por outra, aqueles que renegarem e desmentirem os Nossos versículos, serão condenados ao inferno, onde morarão eternamente. E que funesto destino!"

(18:29)- "Dize-lhes: A verdade emana do vosso Senhor; assim, pois, que creia quem desejar, e descreia quem quiser..."

(2:286)- "Deus não impõe a nenhuma alma uma carga superior às suas forças. Beneficiar-se-á com o bem quem o tiver feito e sofrerá o mal quem o tiver cometido. Ó Senhor nosso, não nos condenes, se nos esquecermos ou nos equivocarmos! Ó Senhor nosso, não nos imponha carga, como a que impuseste a nossos antepassados! Ó Senhor nosso, não nos sobrecarregues com o que não podemos suportar! Tolera-nos! Perdoa-nos! Tem misericórdia de nós! Tu és nosso Protetor! Concede-nos a vitória sobre os incrédulos!"

A recompensa e o castigo estão vinculados à liberdade. Se não houvesse liberdade não haveria castigo. É inconcebível que Deus tenha predeterminado para Seus servos algo que não pudessem evitar, logo os castiga por isso. Assim sendo, Deus não julga o homem senão dentro dos limites da sua liberdade e capacidade, não o responsabilizando pelo que fez forçado. Porém, Deus nos responsabiliza pelo que temos opção de fazer ou deixar de fazer, beneficiará o homem com o bem que tiver feito e sofrerá pelo mal que tenha cometido.

(41:46)- "Quem pratica o bem, o faz em benefício próprio; por outra, quem faz o mal, é em prejuízo seu, porque o teu Senhor não é injusto para com os Seus servos."

Muitas pessoas colocam os muçulmanos como sendo fatalistas, o que é um grande erro. Em primeiro lugar, vamos definir o que venha a ser fatalismo: Fatalismo é a doutrina onde todos os eventos ocorrem de acordo com um destino fixo e inevitável, onde o homem não controla e nem interfere ou afeta. E vimos que o ser humano possuí o livre arbítrio dentro de um campo limitado, onde ele pode escolher o que quer fazer.

Agora, como o muçulmano age em relação a fatos que independem e escapam à sua vontade? Nesta vida, incidem sobre o homem obstáculos que anulam a sua vontade e outros que desviam sua direção e influem sobre os assuntos que não pode afastar nem mudar. Em relação a isto, ele aceita tais acontecimentos, quer sejam agradáveis ou não, como vindos de Deus, sem se vangloriar, caso sejam bons, ou se desesperar, caso sejam ruins. Em ambos os casos, ele agradece a Deus e procura sempre melhorar ou reverter algo, se utilizando dos meios lícitos concedidos por Deus para isto. O profeta Muhammad (S.A.W.S) nos aconselhou, advertindo para que não nos arrependêssemos ou nos entristecêssemos de acontecimentos dos quais não temos capacidade de modificá-los. E num dito disse: "Esforça-te para adquirires o que é benéfico para ti. Procure o apoio de Deus, e não te desanimes. E se te atingir um contratempo não digas: se eu tivesse feito isso teria acontecido aquilo. Em vez disso, diga: Deus decretou assim e o que Ele quis aconteceu. Por que a palavra "se" abre caminho para a ação do Demônio."

Por exemplo, muitas pessoas, ao perderem um ônibus, se chateiam e começam a reclamar e a dizer "se eu tivesse saído um pouco mais cedo isso não teria acontecido" ou "se eu não tivesse feito aquilo não teria me atrasado e perdido o ônibus", etc. Este tipo de comportamento não faz parte da crença do muçulmano, pois se ele perdeu o ônibus é porque estava escrito que ele iria perdê-lo e pronto. Se Deus conceder um benefício ao ser humano, ninguém poderá removê-lo e se algum mal atingir o ser humano, só Deus poderá removê-lo.

(10:107)- "E se Deus te infligir algum mal, ninguém, além d’Ele, poderá removê-lo; e se Ele te agraciar, ninguém poderá repelir a sua graça, a qual concede a quem Lhe apraz dentre Seus servos, porque Ele é o Indulgente, o Misericordiosíssimo."

(35:2)- "A misericórdia com que Deus agracia o homem ninguém pode obstruir e tudo quanto restringe ninguém pode prodigalizar, à parte d’Ele, porque é o Poderoso, o Prudentíssimo."

Muitas pessoas reclamam dos acontecimentos que atingem as suas vidas dizendo: "Isto não é justo! Por que isso foi acontecer logo comigo?" No entanto, devemos ter em mente que a justiça divina não se mede pelos parâmetros da justiça humana. O que pode parecer injusto para nós pode, na verdade, ser justo e bom diante de Deus. Exemplificando isto: Caso tivéssemos uma criança enferma, que necessitasse da aplicação de uma injeção para se curar, a aplicação dessa injeção para criança pareceria uma injustiça, pois ela só levaria em conta na sua análise a dor que estaria sentindo. Em contrapartida, o pai dessa criança, assim como o médico, achariam a aplicação da injeção algo justo e benéfico, pois analisariam isso por outro ângulo, ou seja, a influência que este medicamento teria sobre a cura da criança. A capacidade mental de uma criança não é igual a de um adulto. Da mesma forma, um analfabeto não tem a capacidade de perceber muitas coisas que um intelectual tem. Fazendo uma analogia com estes exemplos, temos que o nosso conhecimento é limitado e o nosso pensamento se baseia em considerações individuais ou pessoais, enquanto que o conhecimento de Deus é ilimitado e infinito.

(2:216)- " É possível que repudieis algo que seja um bem para vós e, quiçá gosteis de algo que vos seja prejudicial; todavia, Deus sabe e vós ignorais."

O bem e o mal são apenas conceitos relativos. Como, por exemplo, um animal que caça um outro para se alimentar. A subsistência de um implica na morte do outro.

Outro detalhe importante é que Deus é nosso criador, logo, Ele não pode ser questionado do porque fez isso ou aquilo, ao passo que nós, como criaturas Dele, sim, que seremos interrogados.

(21:23)- "Ele não poderá ser questionado quanto ao que faz; eles sim, serão interpelados."

Nós também devemos ter em mente, que esta vida terrena nada mais é do que um teste. Logo, muitas vezes somos surpreendidos por desgraças ou situações difíceis , para saber como nos comportaremos diante de tais fatos. O crente, quando se depara com uma desgraça, aceita como vinda de Deus e a suporta pacientemente, tendo confiança em Deus.

(64:11)- "Jamais acontecerá calamidade alguma, senão com a ordem de Deus. Mas, a quem crer em Deus, Ele lhe iluminará o coração, porque Deus é Onisciente."

Mas, o muçulmano não deve ficar parado diante de tais situações e sim atuar se encomendando a Deus. O muçulmano deve se encomendar a Deus em tudo que ele for fazer.

(9:51)- "Dize: Jamais nos ocorrerá o que Deus não nos tiver predestinado! Ele é nosso protetor. Que os fiéis se encomendem a Deus!"

(11:88)- "... e meu êxito só depende de Deus, a Quem me encomendo e a Quem retornarei, contrito."

(65:3)- "E o agraciará, de onde menos esperar. Quanto àquele que se encomendar a Deus, saiba que Ele lhe será Suficiente, porque Deus cumpre o que promete. Certamente Deus predestinou uma proporção para cada coisa."

(3:159)- "... E quando te decidires, encomenda-te a Deus, porque Deus aprecia aqueles que (a Ele) se encomendam."

Deus também nos ensinou, através do Alcorão, a não afirmar que iremos fazer algo mais tarde sem dizermos se Deus quiser.

(18:23-24)- "Jamais digas: Deixai, que farei isto amanhã, A menos que adiciones: Se Deus quiser! Recorda teu Senhor quando esqueceres, e dize: É possível que meu Senhor me encaminhe para o que está mais próximo da verdade."

Agora irei analisar um versículo que geralmente é mal compreendido:

(2:26)- "Com isso, desvia muitos e encaminha muitos outros."

À primeira vista, entendemos que o desvio e o encaminhamento são assuntos predeterminados, ou seja, que está prescrito por Deus sem que tenhamos escolha. No entanto, o Alcorão é auto explicativo e certas passagens elucidam outras. Ao analisarmos o versículo seguinte, vemos que o encaminhamento e o desvio não são impostos por Deus, mas que estão de acordo com o caso de cada indivíduo, devido aos atributos e aos atos inerentes à liberdade e à capacidade de cada um. Assim, se é temente o Alcorão será para ele orientação, e se é depravado, será desvio.

Caso observemos os seguintes versículos veremos a descrição dos tementes que merecerão a orientação de Deus:

(2:2-5)- "Eis o Livro que é indubitavelmente a orientação dos tementes a Deus; Que crêem no incognoscível, observam a oração e gastam daquilo com que os agraciamos; Que crêem no que foi revelado (Ó Muhammad), no que foi revelado antes de ti e estão persuadidos da outra vida. Estes possuem a orientação do seu Senhor e estes serão os bem aventurados."

(47:17)- "Por outra, quanto àqueles que se orientam, Ele lhes aumenta a orientação e lhes concede piedade."

Enquanto que os depravados que merecerão o desvio de Deus são:

(2:26-27)- "... Mas, com isso, só desvia os depravados, Que violam o pacto com Deus, depois de o terem concluído; separam o que Deus tem ordenado manter unido e fazem corrupção na terra. Estes serão desventurados."

(61:5)- "Porém quando se desviaram, Deus desviou os seus corações, porque Deus não encaminha os depravados."

Logo, caso tenhamos as características dos tementes que seguem as ordens de Deus, seremos merecedores do encaminhamento e caso tenhamos as características dos depravados que as desobedecem seremos merecedores do desvio. Assim, podemos perceber que Deus colocou um sistema de causa e efeito para a Sua orientação e desorientação.

Deus também nos informou, através do Alcorão, que os males que nos atingem são uma conseqüência dos nossos atos e o resultado das nossas atitudes.

42:30)- "E todo o infortúnio que vos aflige é por causa do que cometeram as vossas mãos, muito embora Ele perdoe muitas coisas."

(30:41)- "A corrupção surgiu na terra e no mar por causa do que as mãos dos humanos lucraram. E (Deus) os fará provar algo de que cometeram. Quiçá assim se abstenham disso."

Existem dois tipos de Orientação:

1-A orientação que somente te indica o caminho, que é a orientação dada pelos profetas.
2-A orientação que só atua sobre aquelas pessoas que aceitaram o primeiro tipo de orientação. Logo, quando Deus encaminha alguém é quando ele aceitou a primeira orientação e quando desvia alguém é quando ele negou a primeira orientação.

Um exemplo prático disso: Caso uma pessoa perguntasse onde fica tal lugar, e você a orientasse lhe indicando o caminho, estaríamos no primeiro tipo de orientação. Agora, caso essa pessoa lhe perguntasse onde fica tal lugar e você a orientasse e ela lhe pedisse auxilio para chegar até lá e você a colocasse no seu carro e a levasse até lá deixando-a na porta, estaríamos no segundo tipo de auxílio, onde ela aceitou a sua orientação e ainda lhe pediu o auxílio para chegar lá.

Deus nos mostrou através do Alcorão que este segundo tipo de orientação é exclusivo Dele e que os profetas não têm esse poder.

(28:56)- "Por certo que não és tu que orientas a quem queres; contudo, Deus orienta a quem Lhe apraz, porque conhece melhor do que ninguém os encaminhados."